INFORMAÇÃO E EVANGELIZAÇÃO

ENTREVISTA

REVERENDO LUÍS NGUIMBI
Presidente do Fórum Cristão de Angola (FCA).
"OS PROBLEMAS DOS TOCOÍSTAS
DEVEM SER RESOLVIDOS
PELOS TOCOÍSTAS"
N. Talapaxi S. - 16/Agosto/2014 NoFimDoTexto

Quem é assíduo nos nossos cultos que acontecem na sede, na Catedral do Golfe II, o “Templo do Deus Vivo”, sobretudo nas celebrações de datas especial, conhece bem o Reverendo Luís Nguimbi. Ele é pastor da Igreja Evangélica de Angola e grande amigo dos Tocoístas, em geral, e mantém uma estreita amizade com o nosso Líder, o Eminente Bispo, Dom Afonso Nunes. Tem sido um convidado de honra e é chamado muitas vezes a pregar nos nossos cultos. E que pregações! Ele é vibrante e contundente, e ao mesmo tempo um “narrador” bem-humorado.
Foi com esse “Servo de Senhor” que o jornal Alfa&Omega teve uma breve conversa procurando saber como é que começou a história do seu relacionamento com a Igreja Tocoísta. E descobrimos muito mais. Na condição de Líder Ecumênico esse “Homem de Deus” apela a discussão do problema do Tocoísmo pelos próprios Tocoístas com vista à unificação da Igreja. Foi nisso que, principalmente, se prendeu a nossa conversa.
Como é que começou a sua relação com a Igreja Tocoísta?
Aproximei-me dentro das minhas curiosidades e como pesquisador. Já tinha ouvido falar muito sobre a Igreja Tocoísta.
Quando foi que conheceu a Igreja Tocoísta?
Eu era pastor em Cabinda e o “velho” Pinto, que foi representante da Igreja Tocoísta, na altura tinha uma capela próximo de uma área onde eu implantei outra capela também. Assim começamos algumas relações de boa vizinhança. Era um “velho” bom, aberto. A Igreja era no bairro Primeiro de Maio e também havia outra no Iabi, onde o tocoísmo praticamente nasce, la em Cabinda. Encontramos lá a Igreja Evangélica, que é a nossa.
Como é que consistia essa relação de boa vizinhança?
Alguns membros até (da Igreja Evangélica) fizeram-se tocoístas mas por causa do ecumenismo nós tivemos sempre a oportunidade de estarmos juntos. Também o Velho Pinto depois procurou fazer formação junto de nós para aumentar o nível teológico. Nós demos essa formação a ele e a outros tantos. De maneira que já a partir de Cabinda esses laços começaram a criar-se.
Foi já naquela altura também que começou a ter contato com a Igreja, em Luanda?
Quando cheguei em Luanda a Igreja Tocoísta estava num período de convulsões, de templos destruídos e a violência daqui e acolá era intensa. Isso foi em 1995. Então eu procurava de uma e doutra maneira compenetrar as partes em litígio a ver se pudéssemos ultrapassar aquela fase.
Chegou a falar com essas partes?
Algumas
O fez como CICA ou individualmente?
Eu fi-lo como Igreja Evangélica de Angola. Mas quando passo para o CICA ganhei ainda melhor posição como entidade ecuménica para o fazer e comecei assim em receber, embora em separado, as alas criadas já dentro do tocoísmo. Graças a Deus fizemos esse trabalho até que o nosso jovem Bispo surge – o Bispo Nunes – foi mais uma outra fase, não menos fácil.
E como é que se caracterizou aquela, ou essa, “outra fase”?
Muito cedo o Bispo estabelece connosco uma aproximação. Quer dizer que ele abriu-se um pouco mais que os outros. Quando chamássemos ele estava aí. E com contribuições válidas. Quando as outras partes só exigiam: “ah não pode receber aquele homem!”. Se lá na igreja têm esses problemas nós não queremos que sejam levados para o movimento ecuménico. O ecumenismo está a dizer “todos juntos”. De maneira que, se é “todos juntos”, você não pode vir com exigências particulares, a dizer que outro saia. Queremos todos juntos, vamos devagar e faseadamente discutir as nossas diferenças e, com o tempo, muitas delas até ficarão caídas no desuso.
Essa preocupação mediadora teve o efeito desejado?
Bom, alguns ainda fizeram marcha atrás mas eu acho que já estão a dar-nos razão. Vamos esperar que a nossa força moral, a nossa força espiritual, venha ser suficiente para convencer os demais irmãos de que o tocoísmo, só tem que ser um dentro do cômputo geral das igrejas angolanas. E que o tocoísmo só é forte, quando na verdade os seus filhos poderem cantar a mesma música. E que o tocoísmo é uma força com a qual a igreja angolana tem de contar, tendo em conta as particularidades da sua história, “como essa igreja surge”.
Então pode-se dizer que essa missão ainda não acabou.
Vamos procurando manter com os dirigentes contactos privilegiados e até servirmos de catalisador da aproximação de outras partes. Nós continuamos a levar um discurso de paz e de consideração, a dizer que os problemas do tocoísmo devem ser discutidos pelos próprios tocoístas, em primeiro lugar. Mas isto não é estar lá longe a ofender, a criticar.
Tem conseguido falar com as outras partes?
Consigo. Tenho com eles relações privilegiadas. As últimas críticas que me lançaram é eu estar muito mais fácil a aparecer la no Golfe, estar aí a fazer cultos, e eu é que tenho estado a me distanciar das outras partes. Já lhes disse que não colocassem isso na cabeça. Chamem-me bem como os outros me chamam. Quem dizer que consultem o meu calendário e vejam a oportunidade. Nós estamos ao serviço da igreja. Não estamos ao serviço de uma denominação só.
VALORES MORAIS
“UMA PESSOA PRECISA TER
PARA PODER DAR”
A crítica quanto a degradação dos valores morais tem incidido mais sobre os jovens. Eles são vistos como depreciadores desses valores. E os “velhos”? Não são eles também agentes da degradação da moral? Tanto seja na igreja como fora dela? Um exemplo dessa crise de moralidade que vivemos é o que acontece nas empresas. O roubo generalizado. O estabelecimento da corrupção a todos níveis.A ideia cultuada de que não faz mal roubar, desviar, furtar alguma coisa onde se trabalha, ou cometer qualquer pequena fraude que possa pôr dinheiro no bolso, é seguida por uma grande massa de cristãos. E isso a começar mesmo pelos mais velhos.
Então qual é o lugar dos “velhos” no restabelecimento dos valores morais na nossa sociedade, já que os jovens têm sido os mais culpabilizados por isso?
Uma pessoa precisa ter pra poder dar. Se não tiver, não pode dar. Os tais valores morais de que os jovens agora se demitiram devia-lhes ter sido transmitido por quem? Temos de saber se essa fonte de transmissão cumpriu também com o seu dever, ou não. Se nós, os adultos, passamos o legado desses valores a actual geração. Se não o fizemos, eu acho que os jovens serão muito menos culpabilizados do que os “velhos”, que não souberam transmitir à geração aquelo que deviam. Portanto, eu não aceito muito, não tenho estado a engolir muito essa declaração.
No entanto, se há, houve ou tem havido uma falha na transmissão de valores, também é necessário sabermos porquê. Não é?
A verdade é que passamos por um período de guerra. Tal como alguém disse: ninguém consegue arrumar uma casa que está a queimar. Passou o que passou. É um país que está a reconstruir-se. Há necessidade de que os jovens também tenham que ter o comportamento moral dos seus pais. Mas atenção: temos que ter o próprio contexto. O tipo, os elementos que favoreceram essa educação, com relação a realidade de hoje.
E como fazer isso, pastor?
Também não podemos transmitir ao filho tudo o que nós aprendemos. Temos é que dar ao filho a proposta dele escolher aquilo que ele achar que «isso aqui dá pra mim». Nós não podemos por o martelo e o prego a encaixar esses valores morais.
Então estamos diante de um caminho que visa, ou pelo menos, mostra que há necessidade de se criar «modelos novos», nossos…
Perfeito. Pode mesmo escrever no jornal que, com relação aos valores morais, Nguimbi é sugestivo. Os mais velhos devem apresentar as realidades que viveram, o que aprenderam dos que já se foram embora – já adiantaram para a eternidade. E esses jovens, no quadro do que a globalização já colocou no terreno, saberem escolher o quê que podem levar e o quê que devem deixar. Nós não vamos exigir taxativamente que tem que ser assim. O mundo está em evolução! Se aceitamos que o mundo todos os dias tem que fazer uma viagem de 24horas, temos que aceitar também que dentro das 24horas há o que fica e há o que continua.

RETRATO & TRAJECTORIA
Luis Nguimbi é o xará do seu avô, o pai do seu pai, que era soba na região de Mikonge, município de Belize, privíncia de Cabinda. O nome original do avô era Mbaki Nguimbi, que, do kikongo, pode ser traduzido como “ter muita família”.
“Nguimbi” é a forma ampla de “kanda”. O “kanda” representa uma família pequena (pais, filhos e, principalmente, os parentes de primeiro grau). Já no “nguimbi” a família inclui parentes de outros graus mais distantes.
Além de mais o avô era também senhor de escravos, herdados dos seus seus ancestrais. No seu tempo entendeu libertá-los integra-los a família, dando-lhes o direito à palavra e à terra. Isso aconteceu na segunda década do século, algo como 1910/1912.
Quando o irmão Luís Nguimbi foi baptizado, na era colonial, tinha sido dito que o menino não podia ter o nome inteiro de gentios; tinha que ter um nome santo. Por isso, de Mbaki Nguimbi, ele passou a ser Luis (o nome santo) Nguimbi. “Mas pode ser que eu qualquer dia venha a reclamar o meu antigo nome”, diz o reverendo.
Ele é natural de Mikonje, Belize (Cabinda). Nasceu no dia 10 de Dezembro de 1956, o mesmo dia em que foi fundado o Movimento Popular para Libertação de Angola (MPLA). “So não sei a hora que nasci nem a hora que o MPLA foi constituído pra poder dizer quem é o mais velho”, brinca o pastor. “Mas são quase gêmeos”, sugerimos, entrando também na brincadeira. “Somos!”, ele concorda.
Começou os seus estudos primários no exílio, no Congo Brazzaville. Em 1967 o seu pai decidiu repatriar-se. E passou pela Missão Católica de Cabinda. Fez o ensino superior em Teologia, na RDC (na época que ainda era Zaire), em 1986. No início dos anos 90 passou a pastorear a Igreja Evangélica de Angola.
Em 98 ganha uma bolsa e vai para Virgínia (EUA) fazer Prevenção e Resolução de Conflitos na Mennonite University (Universidade Menonita) – uma instituição especializada em estudar a construção de soluções pacíficas para os conflitos políticos, religiosos, étnicos ou de gênero. E logo que ele voltou, em 2001, foi chamado a dirigir o CICA – Conselho de Igrejas Cristãs de Angola, de onde saiu para assumir a presidência do Fórum Cristão Angolano. Seu cargo actual.