INFORMAÇÃO E EVANGELIZAÇÃO

DOSSIÊ
DO DESTERRO À INDEPENDÊNCIA DE ANGOLA
"O PROFETA GUERRILHEIRO"(2):
A MISSÃO DE PACIFICAR
E DE RECONCILIAR
N. Talapaxi S. - 24/Fevereiro/2019 NoFimDoTexto

Sabe-se que desde cedo, até mesmo antes do seu desterro, o profeta tocoísta sempre procurava manter um clima de pacificação embora as suas aspirações apontassem para a descolonização. Com a sua saída do confinado de Açores virou as suas baterias ao entendimento entre os líderes das três principais forças de libertação de Angola – Holden Roberto e Jonas Savimbi e Agostinho Neto.
De acordo com um documentário do engenheiro portugues, Francisco Montanha Rebello, amigo do profeta Simão Tôco, o encontro pessoal com os dois primeiros líderes da luta de libertação, Holden e Savimbi, aconteceu em Novembro de 1974. O primeiro propos ao segundo que cessasse todo o tipo de hostilidades da UNITA para com a FNLA e convidou-o a Kinshasa – o seu quartel general, para firmarem uma paz duradoura.
Holden Roberto e Jonas Savimbi concordaram ainda que «pelo seu carisma e pela sua importância religiosa e pelo seu peso política, deveriam ter a presença de Simão Gonçalves Tôco na cerimônia de reconciliação». O fundador e guia espiritual da INSJCM aceitou o convite.
Já depois da assinatura dos Acordos de Alvor, o profeta tocoísta volta a se encontrar com Jonas Savimbi, no Luena (então cidade de Luso), em Março de 1975. «A intenção de Simão Gonçalves Tôco era «levar o presidente da UNITA a pensar mais na paz do que na guerra, desejar mais o progresso e a felicidade do povo angolano do que o poder sobre esse mesmo povo, procurar acertar políticas de cooperação com os presidentes dos outros movimentos de libertação, em vez de se defrontarem».
Francisco Rebello, que se considera hoje «católico-tocoísta» e tem estado em Luanda, mantendo uma estreita relação com o líder actual da Igreja Tocoísta, o bispo Dom Afonso Nunes, relata que Simão Tôco teve na mesma época um encontro na capital angolana com o seu amigo e colega de tempos idos, o então presidente do MPLA, Agostinho Neto, «cumprindo a sua missao de pacificador junto dos três vértices do poder em Angola».
Todavia, tal como a letra dos «Acordos de Alvor» sobre o processo de descolonização, as investidas do líder religioso, tanto não surtiram efeito, que o clima de violência sobretudo em Luanda, inviabilizou o funcionamento de um Governo de Transição, dando lugar ao êxodo de portugueses para a sua terra. A FNLA e a UNITA recuaram as suas posições abandonando a capital, mas não se desarmaram. O país mergulhou assim numa guerra pior do que a que foi travada contra os colonialistas portugueses.
«Doutrinas subversivas»
Foi em Julho de 1949, em Leopoldville (actual Kinshasa, capital da República Democrática do Congo), que Simão Tôco e um grupo de correligionários e compatriotas angolanos deram início a uma nova corrente do cristianismo, sob o efeito do que garantem ser «a descida do Espírito Santo». Vem daí uma noção do conceito de tocoísmo, que se baseia na orientação de um «Espírito Santo» temporariamente incorporado em vates.
No entendimento de recentes estudiosos, como Ruy Llera Blanes (da Universidade de Bergen da Noruega e do Instituto de Ciências Sociais da Universidade de Lisboa) e Ramon Sarró (do Instituto de Antropologia Cultural e Social, da Universidade Oxford, do Reino Unido), o tocoísmo tem uma «noção reformista de ‘relembrança’, através da qual estabelece um distanciamento tanto de doutrinas cristãs de origem europeia como de tradições animistas e espiritistas africanas».
Como «cabeça» de um novo fenómeno religioso, Simão Tôco atraiu a excomunhão de outros sectores cristãos e o total desafeto do governo belga, então colonizador do território congolês. As suas mensagens, enquanto propagadoras da libertação espiritual dos africanos, continham uma orientação anti-colonialista. Isso afigurava-se como uma ameaça a hegemonia da Bélgica no espaço congolês, conforme mostra um despacho da administração colonial belga, emitido em Dezembro de 1949, referindo-se a esses «indígenas originários de Angola».
Eles «praticam e manifestam o desejo de continuar a praticar os ritos de uma doutrina mística-religiosa hierarquizada, pregando uma ordem nova que, sob o reino de um novo Cristo, derrubará as autoridades e os poderes actuais para tomar o seu lugar e fazer reinar a justiça», argumentavam os belgas, entendendo que aquelas práticas eram de «natureza a perturbar profundamente a tranquilidade e a ordem pública». O volume populacional permitiria «a extensão extremamente rápida e perigosa» daquelas «doutrinas subversivas».
Realmente, numa promoção do protestantismo que permitia o livre estudo da Bíblia, julga-se que os tocoístas terão formado o seu «pensamento revolucionário» a partir das Sagradas Escrituras, colocando-se no lugar do povo de Israel, ao ler a história daquela opressão, comparando-a com a opressão que os africanos sofriam dos colonizadores.
A Bíblia fala igualmente da vinda do Espírito Santo, da restituição de terras e da aparição do Messias, interpretado pelos cristãos como sendo Jesus Cristo. Por isso, não foi à toa que muitos angolanos e congoleses vislumbraram a conquista dessas «bênçãos» por meio de Simão Tôco. Por isso também as Igrejas Tocoístas são classificadas pelo Estado angolano, através do Instituto Nacional dos Assuntos Religiosos, como messiânicas.
É igualmente por isso que os primeiros dissertadores do fenómeno tocoísta, sendo padres católicos, foram e até hoje são contestados, por perceber-se neles uma campanha nociva para denegrir o tocoísmo, em benefício do catolicismo que, naquela altura, servia e defendia os interesses dos colonialistas.
Por isso o profeta angolano e os seus discípulos, que tinham sido presos na capital congolesa alguns meses depois da fundação da sua Igreja, foram expulsos do Congo Belga, em Janeiro de 1950, e entregues as autoridades coloniais portuguesas. Numa primeira leva, de acordo com os relatos dos mais-velhos dessa denominação religiosa, terá sido expulso um grupo de 82 pessoas. Entretanto, outros grupos se seguiram.
O movimento religioso a que deu início em 1949 no Congo-belga (hoje RDC) afigurou-se perigo no caminho das pretensões colonialistas tanto belgas como portuguesas. Por isso o profeta tocoísta sofreu várias prisões sendo a última a deportação para a Ilha de São Miguel, em Açores, de onde continuou a «subverter-se» por cartas, até que o regime fascista português caiu com a Revolução dos Cravos e Simão Tôco foi libertado. Onze anos depois, deixou o desterro e voltou para Angola, triunfante. Mas não conseguiu evitar a guerra civil nem as perseguições que continuaram com no tempo do partido único.

