INFORMAÇÃO E EVANGELIZAÇÃO

DOSSIÊ
DO DESTERRO À INDEPENDÊNCIA DE ANGOLA
"O PROFETA GUERRILHEIRO"(1):
ENTRE OS CRAVOS E O ALVOR
N. Talapaxi S. - 24/Fevereiro/2019 NoFimDoTexto

No dia 31 de Agosto de 1974, Simão Gonçalves Tôco, fundador e líder espiritual da Igreja de Nosso Senhor Jesus Cristo no Mundo (INSJCM), desembarcava em Luanda depois de ter sido libertado do desterro em que ficou confinado durante 11 anos e dois meses, na Ilha de São Miguel, do arquipélago de Açores, território autónomo de Portugal situado no Atlântico. A história relatada por quem viveu aquele momento mostra que foi acontecimento apoteótico, particularmente para os tocoístas, mas em geral para os angolanos.
Na senda das comemorações dos 40 anos da Independência Nacional, que se assinalam em 11 de Novembro deste ano, levados a reviver a trajectória da luta que foi travada para que se chegasse a esse objectivo, que foi o mais almejado pelos angolanos nos quase 500 anos de dominação lusitana, a volta do profeta tocoísta à sua terra depois do exílio é tido como um acto a gravar nos anais da história do país.
Tendo viajado à bordo do navio Infante Dom Henrique, o líder da INSJCM desembarcou primeiro no porto de Lobito, permanecendo um dia em Benguela, antes de partir para a capital angolana, onde acompanhado de uma multidão de fiéis e simpatizantes, caminhou a pé desde o Porto de Luanda até ao antigo Bairro Indígena (Congolenses), reduto central da sua confissão religiosa. O percurso é de aproximadamente 10 quilómetros.
Essa «procissão» viria a somar-se a outros actos de tensão no quadro que precedeu a promulgação da independência angolana. Segundo o relato histórico divulgado no culto realizado no passado domingo na Catedral Universal da Igreja Tocoísta, no Golfe II, embora houvesse viaturas ao seu dispor do seu dirigente, ele teria resolvido andar a pé para facilitar a missão de quem o quisesse exterminar, pois lhe teria sido dito em Portugal, antes da sua partida pra Angola, que logo que chegasse em Luanda seria morto.
Entretanto, a caminhada foi pacífica e nenhum mal ocorreu. Consta ser memorável o facto de a multidão acenar com lenços nas ruas à passagem de Simão Tôco. Por isso o jornal diaria da epoca estantou na sua capa do dia seguinte o título: «A volta do homem bom». No mesmo dia o dirigente dos tocoístas foi recebido no Palácio da Cidade Alta pelo almirante Rosa Coutinho, a mais alta entidade do governo colonial português em Angola naquela altura.
O movimento religioso a que deu início em 1949 no Congo-belga (hoje RDC) afigurou-se perigo no caminho das pretensões colonialistas tanto belgas como portuguesas. Por isso o profeta tocoísta sofreu várias prisões sendo a última a deportação para a Ilha de São Miguel, em Açores, de onde continuou a «subverter-se» por cartas, até que o regime fascista português caiu com a Revolução dos Cravos e Simão Tôco foi libertado. Onze anos depois, deixou o desterro e voltou para Angola, triunfante. Mas não conseguiu evitar a guerra civil nem as perseguições que continuaram com no tempo do partido único.


Entre os «Cravos» e o Alvor
Não foi por acaso que o regresso de Simão Tôco ocorreu justamente emoldurado entre duas importantes datas da história dos portugueses e dos angolanos: a queda do fascismo em Portugal, no dia 25 de Abril de 1974, na chamada «Revolução dos Cravos», e a assinatura dos Acordos de Alvor para a independência de Angola, no dia 15 de Janeiro de 1975.
Os grilhões do desterro do dirigente tocoísta foram quebrados no dia do fim da longa ditadura fascista do Estado Novo em Portugal, que vigorava desde 1926. Isso foi pouco mais de quatro meses antes de Mayamona (como Simão Tôco é conhecido pelos seus seguidores) voltar para Luanda.
Daí deu-se azo a pressão dos movimentos de libertação nacional pela independência de Angola. No entender do actual líder espiritual dos tocoístas, o bispo Dom Afonso Nunes, expresso num dos recentes cultos, fazendo alusão a essa libertação de Simão Tôco, o facto terá servido também para que os próprios portugueses se libertassem, abrindo o caminho da independência às suas colónias em África.
Relatos da época indicam que o clima que se vivia em Luanda na sequência da «Revolução dos Cravos» e em consequência da instalação dos movimentos de libertação na capital era de uma crescente tensão que, muitas vezes acabava em confrontos violentos. Calcula-se que, somente entre Junho e Agosto daquele ano, cerca de 10 mil pessoas morreram entre colonialistas extremistas e angolanos que exigiam a retirada imediata dos portugueses.
Outra propensão que terá estado na base da libertação de Simão Tôco do cativeiro dos Açores, era o facto de António Spínola, o primeiro presidente português depois do 25 de Abril, considerar o profeta angolano como um interlocutor válido nas inevitáveis negações sobre o futuro de Angola. E esse futuro passava pelo entendimento entre os grupos políticos de libertação.
E assim surge a outra data, entre as duas referidas, no meio das quais Simão Tôco regressou para Angola. Registou-se pouco mais de quatro meses depois desse regresso, no dia 15 de Janeiro de 1975, em Alvor, Algarve (Portugal), ao final da conferência que reuniu o Governo Português e os três movimentos angolanos de libertação – a FNLA, o MPLA e a UNITA, quando foram lavrados os famosos «Acordos de Alvor», pela independência de Angola.