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   DOSSIÊ

DO DESTERRO À INDEPENDÊNCIA DE ANGOLA

 

"O PROFETA GUERRILHEIRO"(3):

TOCOÍSMO DE OUTRA DIMENSÃO

N. Talapaxi S. - 24/Fevereiro/2019                NoFimDoTexto   

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Um tiro que saiu pela culatra

 

O governo colonial português, por sua vez, no âmbito de um princípio de desestabilização com vista a extinguir completamente o movimento religioso dos «tôcos» promovendo uma «impossibilidade» de interação entre os membros da considerada seita dos tocoístas, separou-os completamente em grupos de minúsculas unidades. E nesse formato, também na perspectiva de uma política de povoamento colonial então vigente, os distribuiu em colonatos e em diversos campos de trabalho forçado por todo o território angolano.

 

Essa estratégia, que incluiu igualmente o envio de tocoístas para São Tomé e Príncipe, reservou para o seu líder, acompanhado da sua família (esposa, filhos e outros parentes) um tratamento «especial»: Vale do Loge (Uíge), Luanda, Caconda, Jaú e depois Baía dos Tigres e Ponta Albina, em Moçâmedes (actual Namibe), foram os seus desterros no primeiro período de «exílio» a que Simão Tôco foi submetido (de 1950, da expulsão do Congo Belga, até 1962).

 

Entretanto, o tiro dos colonizadores saiu pela culatra no seu intento de extinção do movimento tocoísta, pois, em vez de desestabilizar a Igreja, a dispersão dos seguidores de Simão Tôco fez o papel inverso - simplesmente ajudou a desenvolver e a expandir o tocoísmo por todo o país. É também nesse ínterim em que se constituem os primeiros movimentos políticos de angolanos visando enfrentar o regime colonial. O grande receio de Salazar ao deportar o líder tocoísta para Açores era justamente que o movimento religioso fundado por ele, se transformasse em movimento politico.

 

A União das Populações do Norte de Angola (UPNA) é a primeira dessas forças políticas de que se tem notícia de constituição. Transformou-se depois em União das Populações de Angola (UPA) e posteriormente consolidou-se como Frente Nacional de Libertação de Angola (FNLA) com a fundação assinalada em 1954.

 

Em Dezembro de 1956 surge o Movimento Popular de Libertação de Angola (MPLA), da fusão de vários grupos anti-coloniais, de acordo com as informações históricas de que dispomos, e incluindo o núcleo de Luanda do Partido Comunista Português. A União Nacional para a Independência Total de Angola (UNITA) veio a constituir-se mais tarde, em 1966, com dissidentes da FNLA e do Governo de Resistência de Angola no Exílio (GRAE).   

 

Com as acções desses movimentos, no começo da década de 1960, incentivadas pela ascensão à independência de vários países africanos - inclusive da RDC, em Junho de 1960 - e com uma importante participação das igrejas, principalmente as protestantes, no processo de organização dessas acções, dá-se o início da Guerra de Libertação de Angola.

 

Tocoísmo de outra dimensão

 

O tocoísmo, apesar da proibição preceituada de militância política aos seus seguidores, ganha uma outra dimensão. Tanto é assim que em torno de Simão Tôco criam-se outros receios e percebem-se mais ameaças por parte do governo colonial. O movimento tocoísta terá assumido involuntária e praticamente um lugar particular e simbólico no plano das contestações aos projectos colonialistas.

 

Por isso mesmo é que um certo observador atento a esse panorama diz que, «esta associação (do tocoísmo) com o nacionalismo angolano pode ser classificada como ‘ambígua’ e ‘não resolvida’ do ponto de vista do consenso teórico». Na prática, mesmo que individualmente, era duvidoso para as autoridades colonialistas que os tocoístas não comungassem com os movimentos angolanos de libertação.

 

De acordo com a «Trajectória Histórica da Igreja de Nosso Senhor Jesus Cristo no Mundo», disponibilizada no espaço cibernético pela «INSJCM- Os 12 Mais Velhos», os tocoístas, «considerados também como comunistas» pelo regime colonial, «depois de 1961, mandavam regularmente uma ajuda monetária ao MPLA, em Brazzaville».

 

Todavia, é sobretudo na relação dos adeptos de Simão Tôco (enquanto maioritariamente bakongos, naquela altura) com a UPA/FNLA, por aproximação etnolinguística, que o governo português apostava a sua presunção. Se não fosse por isso, além da capacidade de mobilização do profeta, as autoridades coloniais não teriam ordenado a ida do «cabeça» dos tocoístas para o Uíge, em 1961, visando apelar os angolanos a abandonarem as matas onde se refugiavam das acções militares portuguesas já no quadro da «guerra ultramarina».

 

Embora o líder tocoísta tenha sido bem-sucedido nessa «missão», os colonizadores ainda não confiavam nele. O viam como uma «bomba armada» pronta a detonar. Assim, no dia 18 de Julho de 1963 resolveram mandá-lo para o segundo período de exílio Desta fez o desterro foi a Ilha de São Miguel, em Açores, onde trabalharia como assistente de faroleiro na localidade de Ginetes (1963-1974).

 

Reforço da fé e dos «mitos»

 

Com o imperativo do fim da era colonial em Angola, Simão Tôco é libertado e regressa ao país como um «guerrilheiro» que triunfou sobre o desterro. Apesar da sua vontade de contribuir para a constituição de um primeiro governo nacional angolano livre de quaisquer mazelas, que ultrapassasse as contentas das três principais organizações políticas da descolonização, esse desejo gorou. 

 

Finalmente, a sua Igreja foi reconhecida pelo Estado português, em Setembro do mesmo ano, levando à reabertura dos cultos, que antes eram realizados na clandestinidade. Porém, após a independência, as perseguições aos tocoístas e ao seu profeta voltaram com toda carga, quer fosse por quaisquer ressentimentos inconfessos ou pelo facto de o primeiro governo angolano, proclamado pelo MPLA, sendo de orientação marxista, não se coadunar com as profissões religiosas.

 

No final das contas, tanto as prisões belgas, as prisões coloniais portuguesas como as prisões e perseguições na pós-independência, fossem na tentativa de neutralizar o tocoísmo como de eliminar o seu fundador, tanto pelos colonialistas como pelo governo marxista unipartidário, parece terem resultado em fracasso. Só serviram para reforçar mais, de um lado, a fé e, do outro, os «mitos» que se desenvolveram a volta do profeta Simão Gonçalves. Tôco. 

O QUE TENS A DIZER SOBRE ESSE ARTIGO ?

O movimento religioso a que deu início em 1949 no Congo-belga (hoje RDC) afigurou-se perigo no caminho das pretensões colonialistas tanto belgas como portuguesas. Por isso o profeta tocoísta sofreu várias prisões sendo a última a deportação para a Ilha de São Miguel, em Açores, de onde continuou a «subverter-se» por cartas, até que o regime fascista português caiu com a Revolução dos Cravos e Simão Tôco foi libertado. Onze anos depois, deixou o desterro e voltou para Angola, triunfante. Mas não conseguiu evitar a guerra civil nem as perseguições que continuaram com no tempo do partido único.  

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